domingo, 22 de março de 2009

Canto XVIII


















Meu amigo, foi um prazer nascer ao teu lado

passar-te muitas gripes e contradições.

Gostava que um dia me dissesses

que as tuas melhores doenças vieram de mim.

As febres de sábado à noite fortíssimas

como as de domingo de manhã.

Curámo-las na própria doença. Lembras-te?

Foi por isso que se plantaram laranjeiras

nos lençóis foi por isso que se beberam

chás no deserto.

Agora corre entre nós esta saúde de ferro.

Não nos prevenimos.

Já não nos salvam as palavras repetidas

na dose certa.

Mas foi um prazer nascer, meu amigo.

Compor a cama e pôr o sol do teu lado.


Foto Hugo Joel / Texto C. Nunes de Almeida

6 comentários:

  1. Este texto não é como os textos que me habituaste. Neste há outro tipo de vida, há mais coração, mais Eu, e eu gosto.

    "As febres de sábado à noite fortíssimas
    como as de domingo de manhã."

    Penso em bebedeira e ressaca, com um amigo, entre amigos.

    É bom saber que adoeçemos contagiados por um amigo, confia-se na doença.

    Hugo, esta foto/imagem parece tirada de um filme de animação. Sublime!


    Catarina, minha amiga, um abraço

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  2. É verdade: aqui houve mais coração. Isto não me deixa assim tão leve ao publicá-lo, para ser sincera. Quem me dera desprender-me do coração, entregar-me ao poema limpíssima de mim. Sei lá, escrever só com os pulmões!... É por isso que este texto foi entregue ao blog, em jeito de confissão. Num livro nunca me atreveria.

    Eu procuro sempre esvaziar as palavras até ao limite, porque a minha necessidade de compor poemas não se aplica ao universo do "diário", de um "espelho" das minhas experiências e das minhas verdades. Eu sou pela palavra levíssima, universal, medida única: em suma, pela palavra que pode vestir bem em muita gente.

    Mas se tu gostaste, fico bastante feliz. É um comentário que vem de um leitor realmente fiel - e eu estimo muito a substância de tudo o que me dizes.

    Meu amigo Dinis, um abraço e um «vemo-nos em breve» por terras portuguesas. (Está quase)

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  3. Catarina não exageres nesse desprendimento de ti. O que temos para oferecer somos nós. Nos melhores poemas do Pessoa sinto-o, e ele até abdicou de viver. Aliás, há tantos poetas brutais que escrevem com o coração (não confundir com poesia da adolescência), como o Alexandre O'Neill ou o Al Berto. Creio até que devias cada vez mais escrever com o coração, porque isso sente-se na leitura. Não digo escreveres a tua vida, mas usar a vida como imitação da Natureza!

    um beijo e até já

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  4. Muito bem dito Dinis!

    Compreendo a posição da Catarina e acho que esse é um problema de qualquer artista.

    Mas final, a razão que nos faz criar é o que vivemos, mas nunca queremos expor a nossa vida.

    Encontro este facto também nas minhas fotos.

    Obrigado pelo comentário à minha foto!

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  5. Catarina, mi hai illuminato la giornata! Bellissima, senza fiato, sei riuscita a penetrare fino al fondo dell'intimità tra due persone. Esiste un'intimità più grande, oltre quella del mescolare e fluire di pensieri, di quella del mescolare e fluire di bacilli e virus? Amo tutto di questa poesia, la dolcezza e quel sentore asprigno di vita. gli aranceti tra le lenzuola....meraviglioso!

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  6. Querida Nunzia: o amor, quando é bem vivido, morre maravilhosamente nos poemas... Não há nada como um lento afogamento nas palavras.

    Muito obrigada pela leitura atenta e pelo carinho. E obrigada por ontem teres estado presente! Foi um dia iluminado, porque houve realmente gente de luz!

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