
VENTO TOLO
Sopros e Aclarações para a Arte de Navegar sem Mar
Desta vez falo com os óculos postos
como as pessoas que falam a verdade.
Acredita. As saias os cabelos já não têm
um ar condicionado agora estou às escuras
aprendi a ir pela sombra quando vou com o teu nome.
.
Ai flor ai flor do sol a pino, quando vim para Julho
para a frente do mar vim com o teu nome vestido todo
abotoado às costas. Vim no teu cachecol de quilómetros.
E degolei a ventoinha. Mandei arrancar o limoeiro que havia
na ponta da língua. Mandei arrancar uma a uma
as unhas de gelo.
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Acredita. Gosto mais de murchar à beira do teu copo.
Gosto de abrir o decote e mostrar o escaldão
Esta manhã que nasceu tão roxa
fica bem com as azáleas do quintal da vizinha.
Fica bem com o meu vestido que é roxo
e fica bem com os teus sapatos –
que não são roxos são beges
mas ficam bem com o gato do quintal da vizinha.
.
É pena que não tenhas trazido as tuas melhores mãos.
Esta manhã vinha pedir-te que tirasses os atacadores
porque destoam.
.
E que ficasses sem atacadores sem mágoas sem sono
completamente bege.
E que amachucasses a pele roxa
do meu vestido.
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Foto Hugo Joel / Texto C. Nunes de Almeida
Cântico da Puberdade
Havia tanto tempo que a criança se picara no fuso
mas girava ainda nas caves do seu corpo primeiro
abotoada às rochas
do outro lado da tarde.
.
Agora os sinos são maiores do que a capela.
As mãos já não são lugar onde o mar se amplie
onde o mar venha ladrar a quem passa.
Findam verões de pianos de cauda de gatos abandonados
à erosão daqueles dedinhos minerais.
As claves de sol entraram pela cozinha
misturaram-se com a carne das aves
bronzearam os músculos do pomar.
Fotos Hugo Joel / Texto C. Nunes de Almeida