domingo, 22 de fevereiro de 2009

Canto XIII















True Love enjoys
twenty-twenty vision,
but talks like a myopic.

O verdadeiro amor
possui todas as dioptrias,
mas fala como um míope.















Fotos Hugo Joel / Texto W. H. Auden (Tradução de C. Nunes de Almeida)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

CANTO XII












Perguntas-me:
"Porque vives na montanha azul?"
Meu coração sereno sorri e não responde.
Sobre as águas flui o brilho delicado
das flores de pessegueiro.
É esta outra terra, outro céu,
diferente do mundo dos homens,
lá em baixo.


Foto Hugo Joel / Texto Li Bai (tradução de António Graça de Abreu)

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

CANTO XI



















Não posso
amar
mais claro

Foto Hugo Joel - Texto Jorge Sousa Braga

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Canto X



















Onde estivemos bailarino? Que chão rompemos
antes mesmo das nossas vestes

quando a pele tão encharcada se acomodou no estendal?
quando o meu osso desatou o teu osso mais nu?

Quem saberá agora dizer

de que água fomos bardos?
para que água?

Foto Hugo Joel - Texto C. Nunes de Almeida

Canto IX













Nunca sei como é que se pode achar um poente triste.
Só se é por um poente não ser uma madrugada.
Mas se ele é um poente, como é que ele havia de ser uma madrugada?

Foto Hugo Joel / Texto Alberto Caeiro

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Canto VIII













Sigo a via da Montanha Fria
A estrada da Montanha Fria não tem fim

Longas torrentes pedras acumuladas
Junto ao rio grandes ervas cobertas de gotinhas

O musgo escorregadio não retém a chuva
Mesmo sem vento os pinheiros sibilam

Quem consegue desligar-se do mundo
E sentar-se comigo no meio das nuvens brancas?

Foto Hugo Joel / Texto Han-Shan, séc. VII (versão poética de Ana Hatherly)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Canto VII

Cíclicos Galopes -

Homenagem Infinita a António Ramos Rosa













Cavalo, cavalo da terra, saltas sobre

toda a pobreza chã ou obstáculo.

O vigor da palavra é evidência acesa

é saber-te do chão até à crina.

-

Quem te arranca a força de raiz

em que vale te cavam ou te calam,

de perfil ou de fronte és cavalo sempre,

cavalo de sempre.

-

O teu nome é uma parede que nos fala

sobre o teu silêncio. E é um nome

que não se excede e horizontal se lê,

a prumo.

*

O calor dos campos e da cor em ti, cavalo,

e em mim o muro quente e a força do teu nome.

Não espero mas aceito a tua marcha

como quem navega no campo dessas cores.

-

Tua abrasada língua, teus olhos sem antolhos,

correm a liberdade dos campos sem a névoa,

relinchas do prazer de ser cavalo

(e não o sabes)

-

e aqui me tens numa linguagem árida

e tensa. Para que me arrebates ainda mais que nunca

sempre com a paz do teu campo de cores

e a grande paz da força, da tua boca descoberta,

-

sempre a alertar-me em palavras que são brasas

ou cinza ainda cálida do papel, destas formas

do meu amor da liberdade e do vigor

da vontade inteira em mim, cavalo.

*

Escrever-te é preparar-me para um novo dia,

uma luta de abraços e de flores no mar.

Escrever-te é enamorar-me do primeiro nome, a terra,

a casa, o chão; ligá-los músculo a músculo

-

até ao sabor quente do teu bafo animal.

A ferida, a raiva ferida, arrebatada

pelo teu corpo disparado, no silêncio

de um campo de ervas altas; o silêncio

dos nomes do campo concentrado

-

num muro branco.

O canto e o encanto das coisas nomeadas,

pedra alta, fria chuva, olhos acesos,

ervas e flores,

-

a geometria do teu andar desperta

e da dureza da terra faz o lugar voltar

ao seu lugar primeiro, ao teu nome de terra.

*

Creio em teu silêncio, na tua pele de luz,

no galope violeta, relâmpago terrestre,

animal de chuva, de vento e ar nocturno,

de ventas formidáveis aspirando o ar da noite.

-

O tempo amadureceu a luz da tua pele.

Minhas palavras tornam-se pedras do teu calor.

Mesmo entre nuvens, cheiras ao estrume do teu chão.

És a manhã do tempo, a madrugada madura.

-

De obstáculo em obstáculo, procuro o teu alento,

e a cor do ar do tempo, o teu aroma ardente,

a tua pulsação que rasga as rugas da terra.

-

Creio no teu vigor, na paciência do vagar,

na violência nascente que destrói muro a muro

e em cada pisada deixa um sinal de amor.

*

Não creio noutra palavra que nasça doutro olhar.

Não creio noutro silêncio que não seja o da água

e deste odor de ferro numa ondulante marcha

até à fonte do ar junto às muralhas frescas.

-

Não creio noutra palavra que não seja a palavra

do teu outono fulvo, amadurecido.

A secura é cruel, mas tu sustentas o canto

de um espanto ainda maior e o depões no silêncio.

-

Os dois lados do rosto, dilacerados, loucos,

despertam os vales e as montanhas agrestes.

Cavalgas com a pausa e a fúria do alimento

-

que faz girar os astros, os girassóis, os ventos.

Mil caminhos se cruzam e tu feres a luz

com a negrura sábia do teu olhar maduro.

*

Por um pouco de sombra após a luz do muro,

por um pouco de luz quando a sombra se adensa,

duas faces se formam, alguém caminha cego,

alguém quer ver a terra na limpidez do olhar.

-

Alguém a viu sair, essa mulher descalça

que marcha ao longo do muro impaciente e cega?

Apenas um murmúrio sobre as ondas visíveis,

apenas o perfil do cavalo sem a força.

-

É preciso dormir sobre escadas marinhas,

é preciso voltar à luz do muro, à sombra,

é preciso que a onda nasça de outra onda.

-

E cavalo e mulher na nudez mais perfeita

são as figuras vivas do sentir mais completo,

a perfeição do ser na frescura da forma.

*













*

Aqui seria a mancha mais clara

para um cavalo rosado ou cinza suave.

Aqui seria linear e ténue,

a vocação feliz de uma pequena nódoa.

-

As patas do cavalo vencem a inércia

de um princípio sem fim.

A fúria que eu invento é uma vontade

de dar à terra o seu cavalo fortíssimo.

-

E eu com ele soçobro ou me levanto.

Aqui seria… e é destino e força

o peso do animal que amo sobre mim.

*

As formas do teu ser são várias

mas negam a inércia, arrancam-te

do chão. Tens o poder e a altura precisas

para a vasta geografia dos campos e das casas.

-

És vertical no peso, na verdade do nome

do princípio ao fim, firme de seres terra

e o cheiro que tens é de um livre universo:

a terra pode esperar, confia em teu galope.

-

Por que te quero único, por não ser e

para ser, quantas vezes te falho

sem a paciência

da tua impaciência nobre de cavalo.

Mas o teu galope liberta o meu alento

e o meu desejo corre sobre a planície branca,

a teu lado chispando a rubra fúria,

com a garganta ébria

de uma implacável frescura.

*

A sombra de uma onda arrasta ainda outra sombra.

À onda de uma sombra sucede-se outra onda.

Ao meu cavalo perdido hei-de abrir o caminho

de outro cavalo mais forte e a tudo simultâneo.

-

O verde azul sombrio de uma colina ou nuvem.

(A tempestade arrebatou-te as vestes). Nus

somos agora a verde água de um seio

e o pão branco da casa sobre as dunas.

-

Despidos ao sol somos animais fulvos, vermelhos,

dos elementos nutrindo-se à sombra do cavalo,

à claridade do ócio e nas traves dos barcos.

-

O dia. Os seios. A água. A sombra. A luz. A febre.

Rodopia uma roda do pulso até à árvore

num céu todo aberto à sede mais feliz.

*

O meu trabalho é este sobre a página branca

com a lâmpada branca desvendar as cores

do dia e do cavalo, o crescimento sóbrio,

dilatação de vasos, circulação de rios.

-

Ordenar lá do fundo o vigor que me impele

e me converte na força da página vivida

por um sangue de amar e de rasgar as folhas,

unir na casa única a multiplicidade.

-

Meu amor – agora sim – posso dizer amor

através de insectos e serpentes e fetos

sobre a baba e o ranho do nascimento puro.

-

Atravessei os pântanos e afundei-me no lodo.

Caminho tropeçando e aos nervos do cavalo

arranco este galope, este vagar de estar.
























Fotos Hugo Joel / Textos António Ramos Rosa, in
«Ciclo do Cavalo»

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Canto VI



















Ninguém que se demore na fonte.
Ninguém que morra pelos cântaros.

Os homens deixaram as barcas
atravessavam o leito de faca e gravata e ela
erguia o histórico linho plantado na língua
o dente vegetal no maxilar da cama.

Depois nos confins da primavera
atirava às águas um vasto enxoval de escuridades
uma sementeira erecta acomodada aos passos –

e retinia e oxidava
como os metais.

Foto Hugo Joel - Texto C. Nunes de Almeida

Canto V




















SONNET IN SEARCH OF AN AUTHOR

Nude bodies like peeled logs
sometimes give off a sweetest
odor, man and woman

under the trees in full excess
matching the cushion of

aromatic pine-drift fallen
threaded with trailing woodbine
a sonnet might be made of it

Might be made of it! odor of excess
odor of pine needles, odor of
peeled logs, odor of no odor
other than trailing woodbine that

has no odor, odor of a nude woman
sometimes, odor of a man.

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SONETO EM BUSCA DE AUTOR

Os corpos nus como troncos sem casca
exalam às vezes um odor tão
doce, homem e mulher

debaixo das árvores loucamente
em harmonia com o tapete de

aromáticas folhas de pinheiro
bordadas com videira virgem
disso poderia fazer-se um soneto

Disso poderia fazer-se um soneto! louco odor
odor de agulhas de pinheiro, odor de
troncos sem casca, somente odor
de videira virgem que

não tem odor, odor de mulher nua
por vezes, odor de homem.


Foto Hugo Joel - Texto William Carlos Williams
(trad. José Agostinho Baptista)

Canto IV



















Nausica

L'espatlla nua et llu d'un raig de lluna encesa,
un àngel compadit resta prop teu fulgent,
en aquest mar desert com un desert d'argent
nomes en bleix de vent vetlla per tu, princesa.

El teu nom, com un plany, es perd de mica en mica,
seràs ben sola a dir-lo, cara al mar, dins la nit,
un sospir de ressaca te'l durà repetit,
irresistible i pur com tota tu, Nausica.

Dolç animal ferit pres en xarxa d'estrelles,
verda sang del teu cel, inutils meravelles
per als teus ulls que cerquen l'ombra que els ha deixat,

l'alta aurora cruel et posarà en els braços
un abisme d'enyor com un ocell cansat
dut per l'ona de sal que esborra els últims passos.

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Nausícaa

Os ombros nus aclareados por um raio de lua acesa,
um anjo enternecido permanece ao teu lado cintilante,
neste mar deserto como um deserto de prata
só um sopro de vento te guarda, princesa.

O teu nome, como um lamento, perde-se pouco a pouco,
apenas tu o dirás, querida ao mar, diz a noite,
um suspiro de maresia conceder-to-á repetidamente,
irresistível e puro como toda tu, Nausícaa.

Doce animal ferido preso na rede de estrelas,
verde sangue do teu céu, inúteis maravilhas
pelos teus olhos que procuram a sombra que os deixou,

a alta aurora cruel, e pousará nos braços
um abismo de saudade como um pássaro cansado
levado pela onda de sal que apaga os últimos passos.

Foto Hugo Joel - Texto Mercè Rodoreda, in Món D'Ulisses
(trad. C. Nunes de Almeida)


domingo, 1 de fevereiro de 2009

Canto III














Há actos
que gritam
eternamente.

Foto Hugo Joel - Texto Novalis