segunda-feira, 27 de abril de 2009

Canto XXII



















Avassalador

o amor?

Avassalador

é o céu direito depois da despedida

a compostura do céu

e o vento abrindo-se.

A dilatação das asas

e o rigor das plumas no rigor da tarde

o rebentar dessa escuridão

entre a minha pele e os teus longos astros.

Avassalador

é o fruto que ficou na boca

inimastigável.

A substituição daqueles dedos de uva

por estes dedos de ave

sem grainhas

humanos demais.

Avassalador

é o cadáver vegetal

o arvoredo

a pender dos seios.

Avassalador sim

avassalador como a neve desatando-se

como gomos enrijecidos desenfreados

brancos de doer

brancos de estar

à sombra de nós.


Foto Hugo Joel / Texto C. Nunes de Almeida

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Canto XXI


















Horizontal, sí, te quiero.
Mírale la cara al cielo,
de cara. Déjate ya
de fingir un equilibrio
donde lloramos tú y yo.
Ríndete
a la gran verdad final,
a lo que has de ser conmigo,
tendida ya, paralela,
en la muerte o en el beso.
Horizontal es la noche
en el mar, gran masa trémula
sobre la tierra acostada,
vencida sobre la playa.
El estar de pie, mentira:
sólo correr o tenderse.
Y lo que tú y yo queremos
y el día —ya tan cansado
de estar con su luz, derecho—
es que nos llegue, viviendo
y con temblor de morir,
en lo más alto del beso,
ese quedarse rendidos
por el amor más ingrávido,
al peso de ser de tierra,
materia, carne de vida.
En la noche y la trasnoche,
y el amor y el trasamor,
ya cambiados
en horizontes finales,
tú y yo, de nosotros mismos.

Foto Hugo Joel / Texto Pedro Salinas, in «La Voz A Ti Debida»

domingo, 5 de abril de 2009

Para o menino Bardo, uma salva de palmas...


Segue o teu destino,

rega as tuas plantas,

ama as tuas rosas.

O resto é a sombra

de árvores alheias.

Ricardo Reis [excerto]






sexta-feira, 3 de abril de 2009

Canto XX



















UMA CERTA LISBOA INSUPERÁVEL

Só lhe faltava dizer que Lisboa era airosa no seu serpentear e uma cidade inquietante na qual uma pessoa nunca sabia se acabava de chegar ao fim de uma viagem ou ao ponto de partida. Só lhe faltava dizer que Lisboa era uma cidade que às vezes parecia surgir como uma serpente surge da sua pele. Mas isto será melhor que eu diga a mim próprio, pois às vezes tenho a impressão que surjo do que escrevi como uma serpente surge da sua pele, aqui nesta ilha de palmeiras e eternidade onde todos os dias mergulho na tinta a minha pena e onde o tempo, no seu teatro armado sobre a calma e o pouco vento, também passa por mim lento e fácil, porque a vida aqui é fácil, e o meu relógio muito lento e, além disso, para quê negá-lo, eu sou apenas um principiante, o principiante mais lento.

Fotos de Hugo Joel / Texto de Enrique Vila-Matas, in «A Viagem Vertical» (trad. José Agostinho Baptista)