
Diálogo entre Camões e Natércia
Se soubesses do fio,
dessa vaga memória dos teus olhos,
a que me faz pedir-te
assim, agora:
— Chega, sem me chegares,
vem, sem partires,
meu brando amor
que, ao desejar,
sonhara
E não fales de mim:
fala comigo
.
— Eu falarei
com mais suave voz
de ti, amada,
porque tanto amada
E se além de mil almas
eu tivera,
teceria por ti
perfeitas rimas
.
E trar-te-ei notícias
e conforto,
sobre fios mais brilhantes
do que prata
.
— Meu brando amor,
fala comigo antes,
não deixes que os meus olhos
assim fiquem,
vagos, ainda antigos,
sem saudades
.
Seduz-me novamente,
traz-me versos
em que queira sentir
que em ti navego
.
— Eu morrerei sem ti
Contigo vivo,
embora sem te ter,
mesmo que tendo,
minha amiga e amada,
como rio
que à foz de novo
corre à foz de novo
.
— Mesmo que não te tendo,
tenho ainda,
mesmo partindo,
tu me chegas sempre,
como num rio
que vem à foz de novo
Corre, brando e sereno,
amor, amado,
que eu saberei saber
quando me queres
.
— Corre por mim,
e chega onde chegares
.
— Se soubesses do fio
.
— Se soubesses de dentro do amor
.
— Essa vaga memória dos teus olhos
.
— Seria só olhar.
E chegaria

Fotos Hugo Joel / Texto Ana Luísa Amaral