domingo, 24 de maio de 2009

Canto XXV



















Diálogo entre Camões e Natércia


Se soubesses do fio,

dessa vaga memória dos teus olhos,

a que me faz pedir-te

assim, agora:


— Chega, sem me chegares,

vem, sem partires,

meu brando amor

que, ao desejar,

sonhara

E não fales de mim:

fala comigo

.

— Eu falarei

com mais suave voz

de ti, amada,

porque tanto amada

E se além de mil almas

eu tivera,

teceria por ti

perfeitas rimas

.

E trar-te-ei notícias

e conforto,

sobre fios mais brilhantes

do que prata

.

— Meu brando amor,

fala comigo antes,

não deixes que os meus olhos

assim fiquem,

vagos, ainda antigos,

sem saudades

.

Seduz-me novamente,

traz-me versos

em que queira sentir

que em ti navego

.

— Eu morrerei sem ti

Contigo vivo,

embora sem te ter,

mesmo que tendo,

minha amiga e amada,

como rio

que à foz de novo

corre à foz de novo

.

— Mesmo que não te tendo,

tenho ainda,

mesmo partindo,

tu me chegas sempre,

como num rio

que vem à foz de novo

Corre, brando e sereno,

amor, amado,

que eu saberei saber

quando me queres

.

— Corre por mim,

e chega onde chegares

.

— Se soubesses do fio

.

— Se soubesses de dentro do amor

.

— Essa vaga memória dos teus olhos

.

— Seria só olhar.

E chegaria



















Fotos Hugo Joel / Texto Ana Luísa Amaral

terça-feira, 12 de maio de 2009

Canto XXIV















INSOMNIO

De fierro,
de encorvados tirantes de enorme fierro tiene que ser la noche,
para que no la revienten y la desfonden
las muchas cosas que mis abarrotados ojos han visto,
las duras cosas que insoportablemente la pueblan.

Mi cuerpo ha fatigado los niveles, las temperaturas, las luces:
en vagones de largo ferrocarril,
en un banquete de hombres que se aborrecen,
en el filo mellado de los suburbios
en una quinta calurosa de estatuas húmedas,
en la noche repleta donde abundan el caballo y el hombre.

El universo de esta noche tiene la vastedad
del olvido y la presición de la fiebre.

En vano quiero distraerme de mi cuerpo
y del desvelo de un espejo incesante
que lo prodiga y que lo acecha
y de la casa que repite sus patios
y del mundo que sigue hasta un despedazado arrabal
de callejones donde el viento se cansa y de barro torpe.

En vano espero
las desintegraciones y los símbolos que preceden el sueño.

Sigue la historia universal:
los rumbos minuciosos de la muerte en las caries dentales,
la circulación de mi sangre y de los planetas.

(He odiado el agua crapulosa de un charco,
he aborrecido en el atardecer el canto de un pájaro.)

Las fatigadas leguas incesantes del suburbio del Sur,
leguas de pampa basurera y obscena , leguas de execración.
no se quieren ir del recuerdo.

Lotes anegadizos, ranchos en montón como perros charcos de plata fétida:
soy el aborrecible centinela de esas colocaciones inmóviles.
Alambre, terraplenes, papeles muertos, sobras de Buenos Aires.

Creo esta noche en la terrible inmortalidad:
ningún hombre ha muerto en el tiempo, ninguna mujer, ningún muerto
porque esta inevitable realidad de fierro y de barro
tiene que atravesar la indiferencia de cuantos estén dormidos o muertos
aunque se oculten en la corrupción o en los siglos
y condenarlos a vigilia espantosa.

Toscas nibes color borra de vino infamarán el cielo;
amanecerá en mis párpados apretados.















Fotos Hugo Joel / Texto Jorge Luis Borges

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Canto XXIII



















Depois de tudo, fica a lembrança dos lugares e
dos seus nomes; dos quartos virados a poente
onde as imagens do rio nunca se repetem nas janelas
e todos os enredos são consentidos sobre as camas.
-
Ao fundo, havia um armário de madeira com espelho
onde as nossas roupas trocavam de perfume
para que os dias se vestissem sempre melhor.
E, sobre a cómoda, num espelho mais antigo,
a tarde reflectia algumas das alegrias da infância.
-
Não era o quarto de nenhum de nós,
mas a ele regressávamos sempre com a pressa
de quem anseia os cheiros quentes e antigos
da casa conhecida; como quem espera ser aguardado.
-
Pressenti, porém, que não era eu quem aguardavas:
uma noite, pedi-te um cobertor em vez de um abraço.


Fotos Hugo Joel / Texto Maria do Rosário Pedreira, in «A Casa e o Cheiro dos Livros»